sexta-feira, 28 de maio de 2010

Aprofundando o tema sobre o trote


Escrevi esse texto já faz tempo, mas surgindo o debate (cíclico) sobre o trote, espero contribuir na discussão.
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Por trás da aparência de brincadeira do trote escondem-se concepções acerca do mundo, que muitas vezes parecem invisíveis aos olhos de quem o vivencia.

O ritual do trote tradicional reforça um preconceito e hierarquização entre o saber popular e o saber científico, aonde aquele que vem de fora da Universidade (“o templo do saber”) é inferior. Todo trote tradicional cai nessa simbologia, o calouro deve obedecer o veterano, deve usar fantasias ridículas, precisam se apresentar a comunidade acadêmica com tinta e cabelo raspado, para todos saberem que aqueles ali “sabem menos” e por isso, por enquanto, não devem ser levados a sério até que se apropriem do conhecimento acadêmico. Um ritual que poderia ser de acolhimento, de preparação para uma vida universitária cheia de possibilidades de formação, acaba sendo um ritual baseado no abuso de poder, maquiado no discurso de brincadeira e integração.

Diante disso surge a pergunta: Por que o trote se mantém com tanto “sucesso”? E pior, por que os calouros aceitam tal situação constrangedora? Isso é facilmente compreendido através da lógica da Pedagogia do Oprimido, elaborada por Paulo Freire um dos maiores educadores do Brasil e do mundo, onde a ideologia do opressor habita no oprimido. Exemplificando: o mesmo que uma mulher machista, um negro racista, um explorado capitalista, um gay homofóbico, é um calouro que aceita o trote violento. É comum ficar imerso na ideologia dominante, ou mais poderosa, principalmente em um momento de transição, onde ainda está se conhecendo o espaço novo e se inteirando das regras e convivência estabelecidas. Nessa lógica o calouro que foi oprimido torna-se opressor posteriormente, tendo a necessidade de “descontar” a humilhação e constrangimento sofridos. Então oprime o outro - aquele que entra fragilizado, e não o causador da sua opressão – o veterano; criando, assim, um ciclo vicioso.

A aceitação da opressão mesmo quando o oprimido percebe a opressão em si, vêm pelo medo de se libertar. No caso do calouro, medo de ser o do contra e não fazer parte do grupo, então aceita. Esse ciclo se romperá se o calouro junto com aqueles que abominam esse tipo de trote, questionar e não aceitarem mais tal violência, propondo mudanças, ou mudando toda uma cultura de pensamento. Uma boa tática para colocar em xeque essa prática autoritária dos veteranos é sua negação. “O maior inimigo da autoridade é o desprezo, e a maneira mais segura de solapá-la é a chacota” (Hannah Arent). 
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Veja o vídeo sobre o trote feito por mim e Rafaella Cerveira para a Vivência de Recepção aos Calouros no 30ª Encontro Nacional dos Estudantes de Pedagogia.